terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

NÃO ABRO MÃO DE QUESTIONAR!



         Sempre tive dificuldade em aceitar o que me dizem como sendo verdade absoluta. Não é capricho. É uma característica. Mesmo na infância quando me pediam pra pedir a bênção aos mais velhos, perguntava à minha mãe: ele é irmão da senhora? Não, não é. Então porque tenho que pedir-lhe a bênção, mamãe? Isso se repetia com os supostos avós. Perguntava logo aos meus pais se por acaso eles tinham mais de uma mãe e mais de um pai. Naturalmente que isso não acabava bem, e tinha sorte quando o castigo se resumia àqueles longos sermões, assim que chegávamos em casa.
            Pois bem. Como se sabe, nasci numa família protestante e acompanhei nosso pai nas suas andanças por aí, com o objetivo de ajudar a fundar algumas comunidades evangélicas. É também notória minha indignação com o rumo que os atuais líderes conduzem em nome de Deus estas comunidades. Nos sermões, que são uma espécie de manual de conduta destas organizações, inclui o não questionamento, principalmente as que colocam em dúvida a forma como lideram os seus fiéis. Sempre foi assim, e, mesmo na ingenuidade da minha infância e pré-adolescência conseguia vislumbrar algo de errado nesses discursos. Nosso pai, só pra ter um exemplo, sempre foi fiel nos dízimos e nas ofertas – o que segundo eles, é garantia de mesa farta. Porém, na nossa casa de vez em quando passávamos dificuldades, e nosso pai sozinho na luta pelo sustento de todos, não conseguia sempre pagar as contas e ainda disponibilizar na nossa dispensa o suficiente para nos alimentarmos adequadamente. Embora nunca tenha ouvido uma reclamação, ou blasfêmia contra Deus de sua boca, eu cá com os meus botões, sabia que havia algo de errado, ou seja, alguma incoerência entre teoria e prática, mas não conseguia verbalizar isso, e acabava calado. Poderia citar aqui inúmeras situações em que isso aconteceu, mas prefiro me ater ao objetivo deste texto.
        A interpretação bíblica que alguns grupos religiosos fazem – e incluo aí a linha do atual discurso das lideranças neopentecostais – dão conta de que frequentar a universidade é até certo ponto positivo, desde que não comprometa a ideologia desses grupos, ou seja, é preciso ter acesso ao conhecimento, porém nada pode abalar o que está posto e sacramentado na cabeça dos fiéis. Então, quando consegui uma vaga na UFMT pra fazer o curso de licenciatura em pedagogia, fui devidamente alertado sobre o “perigo” de se ter acesso a determinadas disciplinas que poderiam colocar em xeque minha “fé”.
          Não é preciso dizer que, ao invés de seguir a recomendação, o que aconteceu foi aguçar minha curiosidade e compreender qual a razão de tamanho receio. O curso começou no início de 2011, e no primeiro módulo fomos questionados sobre a razão de estar ali, ou seja, Pedagogia precisa de pessoas realmente comprometidas com a educação infantil, e não de quem havia caído de pára-quedas no curso. O que fazer? Afinal eu era um desses, gostaria de estar fazendo outra graduação, mas foi esta que a minha nota do ENEM permitiu. Pra variar, sabia que havia alguma coisa errada naquelas palavras, mas como sempre, não conseguia verbalizar. 
         Gostaria de colocar os módulos na ordem em que eles nos foram apresentados, porém receio que a memória me deixe na mão. Conheci Cândida e sua Antropologia. Compreendi que os indivíduos são seres culturais, ou seja, não é apenas essência humana, mas àquilo que adquirem ao longo de sua caminhada na sua comunidade, em seu grupo, e como tal deve ser considerado. O indivíduo apesar de único, ao mesmo tempo é produto do seu ambiente cultural, e aproximar dele com algum conhecimento novo é preciso primordialmente considerar suas especificidades.
             Poderia dedicar um artigo inteiro pra falar do professor Motta. Mas não é necessário, nem mesmo ele se sentiria à vontade. Sua história de vida e militância política, me colocou frente a outras perspectivas de organização de sociedade, e a possibilidade do novo me deixou positivamente incomodado. Ainda tive oportunidade de compartilhar com Motta minhas duvidas, minha dificuldade pra concordar com determinados conceitos, sem antes questionar. Quando lhe disse que estava pensando em escrever, ouvi dele: Escreva camarada, não se importe com o contraponto, apenas escreva.
             Edson Caetano veio, com sua Sociologia lançar luz ao que faltava. Compreendi as raízes das duas principais perspectivas de organização de sociedade. Segundo Caetano, não se trata de defender ou negar determinada concepção, apenas compreender que elas existem e surgem a partir de um acontecimento que mudaria a sociedade para sempre, a saber, o advento da revolução industrial.
             Para fechar todos esses conceitos e associá-los à Educação, retornamos ao primeiro módulo – Projetos Integradores de Prática Docente. Dentre outras atividades avaliativas, fomos solicitados a fazer uma pesquisa com o intuito de integrar num único trabalho, todos os conceitos desenvolvidos ao longo do ano, mas antes fui inquirido, pelo fato de ter já mais de trinta anos e até então ainda ter dúvidas do que queria ser. Pensei: Se talvez a professora considerasse os outros módulos, principalmente os da Cândida, Motta, Anunciação, Edson Caetano, dentre outros, não tivesse feito essa observação, pois consideraria que: limitado pelas circunstâncias e pela falta de oportunidade de acesso ao conhecimento e a pelo menos algum capital cultural, o indivíduo se vê limitado a tal ponto de nem ao menos conseguir vislumbrar, quanto mais saber escolher em qual graduação pretende se matricular. Mas ainda não é este o objetivo deste texto.
                 Quero dizer que minhas concepções religiosas entraram em crise, e que não resta dúvida que toda educação, tanto secular quanto religiosa tendem a formar no indivíduo concepções capazes de imprimir conceitos da ideologia dominante, ou seja, somos educados a serem mantenedores de quem está no poder. Enfim, máscaras caíram, paradigmas foram quebrados, conceitos foram destruídos e reconstruídos.
           Pra finalizar, acabei de ler um livro muito bem recomendado por dois amigos: Air Bomdespacho e Amanda Neves, no que considero um presente. Ele apresenta uma mensagem que nada, nem ninguém são capazes de destruir, aliás, nem o banco da universidade como tanto temia a minha liderança - até porque não é esta a sua intenção - tampouco os púlpitos da igreja. A certeza de que Cristo veio apenas e tão somente pra estabelecer comunhão. Apenas Comunhão. E esta não há nada que abale, nada que a anule, é a única capaz de promover a transformação. A transformação e salvação verdadeira, que minha insistência em questionar ainda não conseguiu descobrir o porquê das igrejas e o sistema vigente tanto temerem. Os homens juntos, em Comunhão.
                      É preciso afiar o bico e romper passagem, pois a portinha da gaiola jamais se abrirá sozinha.

Um comentário:

  1. "JUNTOS" perderiam a massa de dominio...o homem mesmo em tal posiçao seja qual ele tome, a sua ambição e seu egoismo sempre falara mais alto,voce ja ouviu algum lider religioso dizer que eles precisam das pessoas para serem salvos?Ou sera que nos seus discursos sao eles o meio para as pessoas obterem a salvação?Jesus escolheu doze apostolos cada um com uma maneira e um jeito de pensar ate mesmo de concordar e discordar naquilo que Ele queria passar... qual proposito seria de unir "cabeças diferentes"?Mesmo que sua indignação seja de grande valia para uma reflexão voltada a comunhão e o respeito ao proximo "eu", e no qual eu tambem acredito ser o meio condutor para essa realidade de transformção dentro das igrejas, parece estar ainda distante.Mas nao percamos a fé para que um dia haja essa mudança e que não seja tardia.Parabens pela coragem e determinação.

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