Uma classe de alunos está reunida em uma sala de aula. Eles aprendem determinada disciplina que está sendo repassada pelo professor. Este, por sua vez recebeu esta seleção de conhecimentos de algum nível hierárquico superior. Além de um evento normal, à luz do senso comum, é perfeitamente natural.
Pois bem. Como tenho dito em outras oportunidades, a perspectiva teórica que me parece mais coerente , é sem dúvida àquela que busca na história, a construção da realidade, ou seja, não posso desconsiderar, em qualquer análise, as implicações historicamente construídas.
Quando se busca as origens históricas dos termos classe, sala de aula e currículo, percebemos sua associação com controle e disciplina. A partir do século XVI, quando as idéias calvinistas eram amplamente difundidas na Europa trazendo consigo uma nova visão acerca da religião predominante, percebe-se claramente a difusão do conceito de que: a obtenção da salvação estava diretamente ligada à questões de: eleição, prosperidade, obediência e disciplina.
Neste período, o termo classe já era conhecido nas universidades deste continente, mais precisamente na França e Escócia. Como esses países eram predominantemente influenciados pela doutrina reformadora de joão Calvino, não é exagero afirmar que: as classes eram agora divididas em prósperos e pobres, que por sua vez possuía um currículo diferenciado, e agora, estavam reunidos em sala de aula. Vale lembrar que temos a partir daí, a diferenciação curricular, pois permaneciam na escola os mais abastados, e a estes era direcionado os conhecimentos tidos como avançados, enquanto que para os pobres sobrava apenas os conhecimentos religiosos e as virtudes humanas.
Com o advento da Revolução Industrial, temos a massificação dessa diferenciação. A classe que detinha os meios de produção era direcionada para determinado currículo, ou seja, determinada seleção de conhecimentos, enquanto que a classe operária permanecia na escola apenas o necessário para a reprodução da mão de obra.
Vale lembrar que a revolução francesa traz consigo o interesse de um maior controle social, e com a entrada do proletariado nos sistemas de ensino, vimos emergir um currículo que privilegiou somente a classe dominante, ou seja, foi elaborado um currículo igual para classes predominantemente diferentes.
A história demonstra que o currículo, as classes, as salas de aula, e o processo de escolarização como um todo, possui uma inegável associação com relações de poder.
A escola sempre foi utilizada para afirmar, ou reafirmar determinado modelo de sociedade. O fato da seleção de conhecimentos ser feita à parte, ou seja, longe dos reais interesses principalmente das classes economicamente desfavorecidas não é mero acaso, ou simplesmente natural. É um processo construído ao longo da história, e sempre implicou em relações de poder.
Quando analisamos que o processo de organização e "transmissão" de conhecimentos, se tornou um processo natural, e o significado que o aluno faz da realidade não são levados em consideração, percebemos que é urgente a reformulação de conceitos.
A perspectiva de currículo que nos foi apresentada é a política cultural. Nesta abordagem, mesmo que ainda considere o educador como ator ativo na mediação do conhecimento, não despreza o lugar do aluno no cenário. Considera-se ainda, que a proposta curricular, ainda que previamente elaborada, assume durante o percurso, outros significados, valores e símbolos que modificam e singularizam cada trajetória. Estas modificações são próprias desta perspectiva, e não necessariamente são consideradas negativas, pelo contrário, sem elas a própria essência da perspectiva política cultural estaria comprometida.
O currículo agora não pode ser materializado concretamente, pois compreende um conjunto amplo de práticas, que só é possível perceber à luz de uma análise abstrata. Não foge, e nem quer fugir da formação de indivíduos críticos e com uma noção clara de justiça social, que nessa perspectiva é necessária, para a formação de uma sociedade verdadeiramente democrática.
O desafio é enorme, pois sabemos que as práticas educativas, apesar dos avanços, ainda são norteadas pela compreensão tradicional de currículo, ou seja aquela que que não tem nenhum compromisso com a criticidade.
É somente com a desvelação desses conceitos, e aí a implicação histórica é fundamental, teremos a possibilidade do indivíduo reconhecer que lugar ocupa de fato nesse teatro da naturalização, e potencializar a mudança, tão necessária à sociedade brasileira.
É preciso afiar o bico e romper passagem, pois a portinha da gaiola jamais se abrirá sozinha.
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